Antropologia do congestionamento

foto: miss shari

O comportamento do motorista paulistano poderia render teses e mais teses em univesidades. Antropologia, psicologia, direito, economia… são infindáveis as áreas do conhecimento que poderiam estudar o comportamento psicótico, destrutivo e anti-social dos ratinhos presos sozinhos dentro das máquinas de quatro rodas, querendo chegar em casa rapidamente e, por isso, considerando todos os outros ratinhos como inimigos e os seres humanos como obstáculos.

Segue abaixo a minha interação de hoje com o hamster motorizado:

Depois da tradicional fina e da tradicional parada do homicida no congestionamento, 50 metros adiante, a tradicional abordagem (detalhe: o figura tava dando um migué na faixa do ônibus, fingindo que ia entrar a direita com a seta ligada por três quarteirões, que foi o tempo da agradável conversa):

– Boa tarde, tudo bem com o senhor? Que trânsito, não é mesmo? O senhor sabia que ao ultrapassar uma bicicleta, o senhor deve manter uma distância lateral segura, mais ou menos 1,5 metros?

– Ah sim, mas eu passei longe de você…

– Não, o senhor não passou. Passou a 20 centímetros de mim. E sabe porque é bom manter distância? Porque o senhor pode matar uma pessoa se não fizer isso, pode derrubar e matar. E o senhor não tem cara de assassino nem vai querer dormir com esse peso na consciência, não é mesmo?

– Eu respeito ciclistas. Eu até tenho uma bicicleta em casa….

– Ah sim, todo mundo tem uma bicicleta em casa….

– Mas eu acho que nesse horário (17h30) não deveria ser permitido andar bicicleta aqui…

– Ah não?!?! Por que?

– Porque é perigoso….

– Pois é, então o senhor devia consultar o Código de Trânsito e vai ver que nós temos o mesmo direito que você, que as pessoas que estão no ônibus ali atrás, que quem está de moto de se locomover. O que o senhor está sugerindo é uma total inversão de valores, sabe por que? Porque a Constituição assegura a todos o direito de ir e vir, e o Código de Trânsito diz que cabe ao maior zelar pelo menor. Se eu estivesse dirigndo um caminhão, o senhor não passaria tão perto de mim, não é mesmo? E sabe porque a lei diz isso? Para preservar a vida, para tentar diminuir o número de 50 mil mortos por ano no trânsito brasileiro. Porque se aquele ônibus bater no seu carro, é você quem leva a pior, então ele tem que zelar pela sua vida, mesmo que o senhor esteja cometendo uma infração, como usar a faixa exclusiva de ônibus. Da mesma forma o senhor tem que zelar pela minha vida e por aí vai…

– Mas tem muito trânsito, é perigoso… Eu acho que nessa hora do dia vocês deveriam andar na calçada.

– Então, eu não pego trânsito e desculpa se estou enchendo o seu saco, mas é que eu gosto de conversar no trânsito. De bicicleta a gente faz isso. De carro não dá, né? A gente tem que mudar marcha, acelerar, freiar, dar seta, e se parar o carro de trás buzina… Então só estou falando para você pensar que quem anda de bicicleta é amigo de quem anda de carro. A gente ajuda vocês a ficarem menos tempo no congestionamento, porque a gente não ocupa tanto espaço como vocês, não polui o ar e não mata ninguém em acidentes. Então, me desculpa novamente pela encheção e bom trânsito pra você…

E fui, pedalando, enquanto o figura continuou ali, pateticamente dando uma de “joão sem braço” na faixa do ônibus, sozinho, angustiado, mas (talvez) pensando…

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