Uma hora diferente na TV aberta

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Estreou hoje, em rede nacional, o programa “Direitos de resposta”, um marco histórico na televisão brasileira. Pela primeira vez uma emissora aberta foi condenada a ceder espaço na sua programação para a sociedade civil por violar Direitos Humanos.

A conquista foi fruto de uma ação movida por diversas entidades, que pediam o fim dos excessos diários do apresentador João Kleber. O apresentador, ex-garoto propaganda de Fernando Collor, acabou perdendo o emprego. A RedeTV deverá apresentar até meados de janeiro o programa “Direitos de resposta”, de segunda a sexta, às 16h.

Vi os últimos 15 minutos da estréia, quando acontecia um debate interessante com a participação de Ferrez e Oscar Vilhena (jurista), vozes dissonantes do consenso pasteurizado da grande mídia. Além do bate-papo, comandado por Anelis Assumpção, o programa terá produções audiovisuais independentes, que dificilmente teriam espaço programação das emissoras.

Vale a pena visitar o blog do progrma ou acessar o site do Intervozes, coletivo que produziu também uma interessante publicação sobre a TV digital, mostrando que o novo sistema não deve servir apenas para assistir futebol de vários ângulos ou para comprar o merchandising da novela das 8 com um clique no controle remoto, como vislumbram os empresários da mídia e o ex-funcionário da Globo, Hélio Costa, hoje ministro das Comunicações.

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Esta mísera uma hora ocupada pela sociedade no meio de tanto lixo televisivo explicita o quadro lamentável da programação: logo depois do “Direitos de resposta” a RedeTV exibe o programa “Show de fé”, um espaço alugado pela Igreja da Graça de Deus para mostrar os cultos-de-auditório do missionário R.R. Soares, genro e ex-sócio do bispo Edir Macedo na Igreja Universal (que controla a Rede Record, rádios e emissoras em UHF).

Basta uma zapeada pelos canais abertos para notar o quadro de abuso, baixaria e deserviço público promovido pelo veículo que está presente em 87% dos domicílios brasileiros. Na TV paga, vendida como panacéia para a baixa qualidade (destinada aos pobres), o quadro não é diferente: meia dúzia de grupos, famílias e confrarias controlam quase todas as emissoras e serviços de norte a sul, apresentando uma programação extremamente parecida entre si (em forma e conteúdo).

Em São Paulo apenas duas operadoras prestam serviços de TV a cabo: NET (Globo) e TVA (Abril). Durante a década de 90, as Organizações Globo contraíram uma dívida gigantesca (boa parte em dólares) para implantar a TV por assinatura. Na época, para disfarçar o monopólio, a operação foi dividia em duas empresas (NET e Multicanal), que espalharam seus cabos por toda a cidade. A concorrente (TVA) até hoje não está disponível em boa parte da cidade e a Multicanal foi “vendida” à NET.

Nos 62 canais que a NET oferece por mais de R$100,00 mensais, muitas vezes não encontro nada que preste. Na grade compulsória do pacote (pois você não pode assinar apenas 2 ou 3), fica claro que poucas vozes aparecem na TV:
– 21 canais exibem enlatados estadunidenses 24 horas por dia
– 14 canais pertencem às Organizações Globo
– 9 canais abertos (VHF e UHF) de outros grupos
– 7 canais “oficiais” (incluindo o famigerado “Comunitário”)
– 4 canais de outros países (Itália, Inglaterra, Espanha e França)
– 3 canais de compras 24 horas por dia (um deles, da Globo)
– 3 canais de pregação religiosa 24 horas por dia
– 1 canal comercial nacional que não pertence à Globo (ESPN Brasil, do grupo Abril)

Para não estender o debate sobre a importância da TV nos rumos do país, fica uma frase de FHC (dita no excelente documentário “O espetáculo democrático”, disponível para download aqui ou à venda em DVD no CMI): “se o Lenin vivesse hoje, ele não ia querer fazer um partido, ele ia querer ser dono de uma cadeia de televisão”. (outra referência é o documentário “Muito além do cidadão Kane“).

Tomara que o “Direitos de resposta” seja apenas o início de uma virada na TV brasileira. Não se trata de construir uma televisão “chata” ou políticamente correta, mas sim de permitir a diversificação do conteúdo, seja ele entretenimento, cultura ou informação.

E para justificar este post, vale lembrar que a indústria automobilísitca é um dos maiores anunciantes da televisão brasileira, ocupando boa parte do horário nobre com seus comerciais de apologia à velocidade e ao individualismo.

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