Já está tudo pronto para que sejam sepultados os dois primeiros calçadões do centro, nas ruas 24 de maio e D. José de Barros. Falta só coragem para inaugurar a obra, que pretende atrair consumidores motorizados e reduzir o espaço destinado aos pedestres.
A foto acima foi tirada em um sábado do ano passado. Apesar de ilegal, o tráfego de veículos nos calçadões é tolerado pelas autoridades. A imagem ilustra bem os objetivos do processo de “revitalização do centro” que está em curso. Não sei direito quem consegue enxergar vida em máquinas queimadoras de petróleo e especulação imobiliária, mas tudo bem…
A Veja (“revista americana escrita em português”, como disse Mylton Severiano) publicou recentemente uma matéria sobre as transformações que a prefeitura está implantando na região.
O amigo e jornalista José Chrispiniano é autor de um excelente boletim semanal chamado “Veja Q Porcaria”, uma análise da pior publicação mais vendida do país. Reproduzo abaixo um trecho da primeira edição de 2006. Para receber o boletim no seu e-mail, escreva para vejaqporcaria@yahoo.com.
– Camila Antunes assina uma inacreditável peça sob o chapéu de “urbanismo”(sic) sobre a “revitalização” (sic de novo) do centro de São Paulo, que Andréa Matarazo e José Serra pretendem implantar. A matéria chama os pobres de “horda”, e o padre Júlio Lancelotti de “demagogo”. Por critérios persecutórios como esse poderia chamar a assinante da matéria de “canalha”, ou “besta preconceituosa”. Veja bem, um sujeito que enfrenta todos os preconceitos, abnegado, que tem um trabalho inacreditável com os moradores de rua, que cuida de crianças aidéticas desde quando a doença tinha um estigma terrível, e defende seus pontos de vista, é considerado demagogo porque sua igreja tem cerca elétrica (para proteger o patrimônio da própria igreja)? O que raios se quer dizer com isso, e coisas como “atenção, papa Bento XVI”? A matéria(sic) obedece aos preconceitos do Sr. Andréa Matarazzo, que chama a região da cracolândia de um “antro que atrapalha o funcionamento da cidade”.
– O texto de Antunes não entende a chamada decadência do centro e a dinâmica do mercado imobiliário (que abandonou o centro por questões de infra-estrutura e mais que isso, especulação imobiliária). Diz que os calçadões dificultaram o acesso ao centro, quando são os próprios que fazem ser viável o comércio popular imenso que ali existe. É um absurdo dizer que as 400 famílias sem-teto instaladas em imóveis recuperados em programas de arrendamento “enterram de uma vez a possibilidade de recuperar a economia da região”. Visite os prédios e seu entorno,Camila. A matéria acha que região “revitalizada” é onde os pobres não estão, não crê em bairros onde convivam classes e usos diferentes. O centro é a região realmente viva de São Paulo. Com seus problemas e com tudo aquilo que a classe média acha feio, mas viva de verdade. Muito mais viva, diversa, real e interessante que a região da Faria Lima e Berrini.
– “Um dos objetivos da demolição de parte do centro de São Paulo é reavivar a idéia de espaço público”. Nada disso. Pelo que a própria matéria diz, dá para notar que a prefeitura vai “varrer a horda”, e abrir um balcão de negócios imobiliários sobre o novo centro, privatizando os terrenos, coisa que os tucanos, Matarazzo por exemplo, que não é demagogo porque mora em uma mansão de segurança máxima no Morumbi, sabe muito bem fazer.
– A legenda da foto mostra o nível de imbecilidade de Camila Antunes, Mario Sabino e Cia. Tem a foto de moradores na paulista e a pergunta: “por que o padre não vai morar lá?”. Agora, parece que é bonito este tipo de perseguição.
* PS: passando pela banca de jornais, vi o enxame de capas a respeito de Juscelino Kubitschek. E ainda tem gente que acredita que a televisão é apenas um veículo de informação e entretenimento, que serve para dar destaque aos acontecimentos importantes da sociedade. A TV brasileira, como diz Eugênio Bucci, faz exatamente o caminho inverso: é ela quem pauta as discussões, os rumos e o humor da nação. Se a estréia de uma minissérie é capa de duas das quatro revistas semanais de informação, imagine o peso do Jornal Nacional.
7 Comments