Três mortes distintas – a praça de mão única


(fotos: gira-luddista)

Uma praça, para qualquer habitante do planeta Terra, é um local destinado a convivência, se possível arborizado, com bancos para sentar, espaços para crianças, para atividades políticas, para jogar xadrez ou futebol. Enfim, uma praça é um local de encontro entre os seres humanos.

Seres humanos não precisam obedecer mãos de direção para se locomover. Não existem calçadas exclusivas para ida e outras para a volta, nem trilhas de mão única. Um esbarrão em outro pedestre não representa grande transtorno, nem tampouco resulta em ferimentos graves. No máximo, um xingamento.

Já os veículos, em especial os motorizados, representam perigo: são mais pesados e mais velozes que os homens. Por isso são submetidos a regras de circulação. Bicicletas, automóveis, caminhões, motos e ônibus devem obedecer o sentido designado para uma determinada via.

Afinal, qualquer choque envolvendo um veículo tem grande chance de resultar em ferimentos graves ou em um grande aborrecimento. Se um dos veículos for motorizado, a chance de morte aumenta e o aborrecimento pode virar um grande prejuízo ou uma discussão agressiva.

São Paulo, capital do “desenvolvimento” brasileiro, resolveu inovar: criou a primeira praça de mão-única do mundo. Tá lá, no site da prefeitura: “a praça Manuel da Nóbrega terá mão única de direção, da rua XV de Novembro para a rua Boa Vista”.

A praça em questão ligava o calçadão da XV de Novembro a rua Boa Vista. Era um espaço destinado aos pedestres, que não precisavam se preocupar com máquinas, fumaça ou buzinas. No máximo eram obrigados a desviar de uma barraca de camelô ou de outro pedestre. E foi exatamente para tirar os camelôs e adequar a região aos hábitos e vícios de 30% da população que o calçadão foi extinto.

O fechamento do calçadão da XV de Novembro foi o segundo realizado em 2006 na região central. Ao contrário das ruas 24 de Maio e D. José Gaspar, o piso de pedras portuguesas não foi sumariamente coberto com asfalto. A “abertura” consistiu apenas na implantação de sinalização viária e cones fixos para delimitar o tráfego.

Em agosto de 2005 um jornal paulistano chamou o fechamento dos calçadões de “traffic calming”. “Já é assim em países como Itália e Inglaterra, e em Estados americanos, como a Califórnia. O conceito é o do chamado traffic calming. Os motoristas sentem que estão transitando por um lugar no qual a prioridade é do pedestre. Vão devagar, com cuidado – pelo menos é assim no exterior. A velocidade prevista para São Paulo é de 10 a 15 quilômetros por hora.”, dizia a reportagem.

“Traffic calming”, na tradução do inglês, quer dizer “acalmar o trânsito”. O que foi feito nos calçadões paulistanos é exatamente o oposto, ou seja, a implantação do perigoso tráfego de veículos motorizados.

As ações de “traffic calming” são adotadas em locais onde já existe trânsito de veículos para torná-lo mais ameno, não em calçadões ou praças que, por definição, não hospedam máquinas de locomoção.

A ocupação dos calçadões pelos automóveis não é novidade. Antes do fechamento, as máquinas já eram vistas em circulação e estacionadas na região proibida para carros.

A velocidade era baixa, como os 10 ou 15km/h previstos na reportagem de 2005. O limite atual foi estabelecido em 20km/h e os carros, exceto os oficiais ou policiais, continuam a circular devagar.


Um domingo, fevereiro de 2005, rua XV de Novembro.
Na esquina, o prédio da Secretaria Municipal de Transportes.

Textos relacionados:

[Três mortes distintas]

[Aqui ja$ a vida – o fechamento da 24 de Maio]

[Olha o calçadão da 25 de Março! É mentira…]

[Calçadão do mosteiro ao mercado]

[Ação contra os carros no centro]

3 Comments