Por que as calçadas são estreitas em São Paulo?
Por que a cidade não tem ciclovias e ciclofaixas?
“Calçadas com nove ou dez metros de largura são capazes de comportar praticamente qualquer recreação informal – além de árvores para dar sombra e espaço suficiente para a circulação de pedestres e para a vida em público e o ofício dos adultos.Há poucas calçadas com largura tão farta. Invariavelmente, a largura delas é sacrificada em favor da largura da rua para os veículos, em parte porque as calçadas são tradicionalmente consideradas um espaço destinado ao trânsito de pedestres e ao acesso a prédios e continuam a ser desconsideradas e desprezadas na condição de únicos elementos vitais e imprescindíveis da segurança, da vida pública e da circulação de crianças nas cidades”.
Jane Jacobs, autora da frase acima, escreveu sobre as calçadas e as cidades estadunidenses da década de 60. A autora de “Morte e vida de grandes cidades” se assutaria com a São Paulo do ano-recorde. Calçadas com mais de três metros são raríssimas na cidade.
O cotidiano de pedestres, cadeirantes, crianças e idosos que ousam não ter carro na capital do individualismo motorizado é a vida espremida entre postes, buracos, viaturas e motos da polícia, carros-forte, táxis, camelôs e carros particulares que estacionam “só um instantezinho” no espaço que deveria ser exclusivo dos seres humanos.
Utrecht – Holanda / foto: Zé Lobo
Talvez quem só anda de carro não perceba, mas as calçadas paulistanas são estreitas demais para a quantidade de pessoas que as utilizam e estão longe de cumprir o papel de “elementos vitais” para a vida pública. Ou melhor, representam o exato oposto: o esgarçamento da sociedade e a morte de seu habitat.
Os ciclistas também tiveram seu espaço históricamente expropriado pelos carros. São Paulo possui hoje uma extensão desprezível de ciclovias ou ciclofaixas (23,5km), sendo que apenas 4,5km se encontram fora de parques. Da mesma forma o automóvel (estacionado ou em movimento) é o grande responsável pela baixa qualidade dos ônibus, roubando-lhes espaço de circulação, embarque e desembarque de passageiros.
Calçadas decentes, ciclovias, ciclofaixas e corredores de ônibus ficam em último plano na cidade onde a tolerância com o estacionamento de propriedades privadas na via pública é regra, não excessão.
A visão turva sobre essas questões, agravada talvez pelo uso de películas negras nos vidros, permeia as mentes de boa parte dos planejadores, técnicos, legisladores e a administradores da cidade.
Na semana que passou um projeto de lei aprovado pela Câmara mostrou que os olhos que decidem só conseguem enxergar a cidade através de um pára-brisa.
O projeto 309-07, de autoria do vereador Ricardo Teixeira (PSDB), previa a proibição de estacionamento de veículos nas ruas do Centro Expandido durante o “horários de pico” (das 7h às 10h e da 17h às 20h).
O objetivo, como não poderia deixar de ser, era melhorar a fluidez (?) do trânsito. Ou seja, tirar espaço dos carros para dar mais espaço aos carros.
Ao longo da semana o prefeito Gilberto Kassab anunciou que vetaria o projeto. Venceu o bom senso, já que a medida, de difícil aplicação, serviria mais como paliativo para aliviar a angústia do paulistano no congestionamento.
Ainda que o fluxo seja a condição prioritária das vias públicas (e o estacionamento nas ruas uma aberração urbana), a idéia seria, no mínimo, impraticável. Em um quarteirão com 30 “vagas”, bastaria um veículo infrator estacionado para jogar a brilhante solução no ralo, provocando transtornos ainda maiores para os motoristas.
Três bicicletas ou meio carro? / Londres – foto: Lilx
De qualquer forma, é sabido que os 30% possuidores de automóvel não querem abrir mão do “direito” de privatizar espaço público. Qualquer cidade que ousou beneficiar a maioria da população (pedestres, ciclistas, cadeirantes, passageiros de ônibus, idosos e crianças) e, para isso, teve que resgatar uma parte do espaço historicamente roubado pelos carros, sofreu um bombardeio ferrenho da chamada opinião publica(da).
Cabe às autoridades, como sempre, escolher para quem governam: se para a minoria motorizada ou para a maioria que não anda de carro.
A opção por uma cidade destinada às pessoas (e não às máquinas) não será feita na base de remendos. Resgatar espaço dos carros estacionados para destinar aos carros em movimento durante um quarto do dia é uma idéia (no mínimo) tímida e equivocada frente ao grave problema representado pela presença determinante do automóvel em São Paulo.
O espaço é um bem finito. A restrição de estacionamento deve servir para que tenhamos calçadas mais largas, espaços seguros para a circulção de bicicletas, corredores e faixas de ônibus, locais de convivência humana e áreas verdes.
O resto é operação tapa-buraco, que só agrava a desintegração do tecido social e urbano da cidade.
Ou será que o congestionamento recorde da semana passada, quando a cidade suspendeu seu paliativo maior, não mostra que as soluções pautadas pelo ponto de vista dos motoristas já chegaram ao limite, inclusive quando o assunto é “trânsito”?
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