TV no ônibus, a comercialização das mentes e a lei Cidade Limpa

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arte: cc adbusters

Conforme a previsão feita por este blog em 18 de Agosto, não levou muito tempo até que a legislação municipal que proibia a exibição de programação televisiva ao vivo dentro dos ônibus fosse alterada.

Apenas 11 dias depois de proibir os testes da Rede Globo em alguns coletivos da cidade, o Secretário Municipal de Transportes publicou uma portaria no último sábado (29) autorizando a iniciativa. Globo, Record e Bandeirantes devem disputar os olhares confinados de milhões de passageiros de ônibus da capital.

A iniciativa se insere em um conjunto de medidas que visam explorar ao máximo o potencial comercial do transporte sobre pneus, sem que isso signifique a melhora do serviço. Há poucos dias foi divulgado que a Prefeitura pretende acoplar ao Bilhete Único um cartão de crédito, transformando milhões de passageiros em potenciais endividados.

A portaria da SMT justifica-se em dois princípios: a Lei Cidade Limpa e o aumento de receita (só não fica claro quem será beneficiado por este aumento, já que em nenhum momento fala-se da destinação destes recursos ou obriga-se a Prefeitura a reinvestir o montante no sistema de ônibus).

Como é sabido até pelo mármore do Palácio Anhangabaú, a Lei Cidade Limpa não tem nada a ver com a extinção da publicidade do ambiente urbano. Trata-se, na verdade, de potencializar a exploração comercial de alguns espaços da cidade: retirar o excesso para tornar mais efetiva (e rentável) a veiculação de publicidade.

Em um primeiro momento, a proibição de anúncios trouxe alívio aos olhos e mentes superexpostos aos impulsos da propaganda. A segunda fase da Lei, em curso neste momento, pretende identificar e vender pontos-chave para que a exploração publicitária aconteça de forma “ordenada”.

Os critérios de “ordenamento” são vagos. Fala-se que apenas o loteamento da cidade em regiões para grandes empresas de marketing poderá fornecer recursos para equipar a cidade com mobiliário urbano como pontos de ônibus, bancos e lixeiras.

No entanto, em regiões nobres da cidade, o poder público vem investindo em mobiliário urbano pronto para ser explorado comercialmente (vide a quantidade absurda de lixeiras de concreto instaladas na Av. Paulista).

A política faz parte da “sedução” à iniciativa privada: oferecer pontos importantes e prontos para o uso deverá facilitar o negócio com as gigantes da propaganda, que provavelmente só será concretizado no biênio que antecede a próxima eleição municipal, quando a propaganda deve voltar definitivamente e em esquema de monopólio (ou, no máximo, oligopólio) “ordenado”.

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Qualquer estagiário de comunicação ou publicidade sabe que o excesso de informação e de estímulos visuais do mundo contemporâneo causa dispersão e dificulta a transmissão das mensagens. As redes de televisão descobriram há muito tempo que o controle remoto é um dos principais inimigos de seus departamentos de marketing.

Exibir a programação em um ambiente confinado é uma oportunidade incrível para as empresas de comunicação conseguirem manter sua presença na mente da população em um mundo fragmentado e disperso. E manter a presença na mente da população significa, essencialmente, preservar o poder político destas empresas no país.

Não se trata de teoria da conspiração ou radicalismo: é fato que a mídia brasileira, em especial a televisão, desempenha um papel que vai muito além da “mediação” de informações. Também é fato que o poder público quase sempre se curva aos interesses destas empresas.

Não seria diferente com a exibição de conteúdo ao vivo das grandes redes comerciais dentro dos ônibus. Não foi preciso nenhum movimento, protesto, ação judicial ou contestação pública das emissoras para que a Prefeitura revogasse uma determinação anterior para atender ao interesse das empresas. A SMT lavou as mãos. O secretário Alexandre de Moraes não se pronunciou sobre o assunto. Assinou a portaria e transferiu a responsabilidade à SPTrans, órgão que é o “patinho feio” do setor de transporte da capital.

A exposição compulsória de passageiros de ônibus à programação televisiva das redes comerciais é uma afronta. Não apenas porque o transporte coletivo da capital é caro e ainda muito aquém dos padrões mínimos de qualidade, mas também (e principalmente) por ser extremamente invasiva. Ninguém pode ser obrigado a ser exposto algumas horas do dia a telas com mensgens compulsórias, ainda mais dentro de um veículo que deveria servir ao transporte, um direito do cidadão.

Sorria, você será manipulado. E vai pagar R$2,30 por isso.
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