Marginal Tietê: o erro anunciado

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detalhe de camiseta antiga, mas ainda pertinente

Carta das entidades envolvidas na luta contra a ampliação da Marginal, publicada originalmente no Blog de Ecologia Urbana

Em meados do ano de 2008, surgiram as primeiras informações, ainda não oficiais, sobre um projeto de ampliação da quantidade de pistas na Marginal do Rio Tietê.

Como se sabe, a Marginal do Tietê é uma das mais importantes vias que integra a imensa malha rodoviária do país, não apenas porque é acesso para o abastecimento da cidade de São Paulo, a maior do país, mas, ainda, porque é passagem obrigatória para cargas provenientes ou destinadas aos maiores e mais importantes portos do Brasil.

Além disso, a Marginal poderia ser lembrada pelas enchentes que ocorriam com mais freqüência na década passada, e que originavam uma situação caótica, seja pela impossibilidade de tráfego na região, seja pelo desalojamento e morte de famílias que viviam em situação de risco.

Nada, porém, pode ser mais representativo desta imensa estrada urbana que a lentidão no tráfego, decorrente dos quilômetros de congestionamento diário, que tornam sacrificante a necessidade – inafastável para alguns – de circular por suas vias.

Diante dessa realidade, a Marginal do Tietê passa a ser emblemática para a compreensão de qual destino está sendo firmado à nossa cidade: se rumamos à tentativa de reverter equívocos urbanos e ambientais ou insistimos num modelo de conflito entre equilíbrio ambiental e vivência urbana.

Por essa razão, as intervenções urbanas propostas para a região do Rio Tietê não podem ser consideradas apenas sobre um enfoque: não apenas para solução dos problemas viários de imobilidade, nem, tampouco, para agasalhar propostas ambientalistas radicais de apartá-lo do acesso humano.

Assim, ao tomar conhecimento do projeto de ampliação das Marginais, a sociedade civil organizada, especialmente arquitetos, urbanistas, engenheiros, geógrafos, ambientalistas e lideranças de movimentos sociais atuantes em diversas áreas, passaram a dialogar sobre os impactos do projeto e sua eficiência.

Foram meses de estudos sobre o projeto, denúncias – e comprovações – de falhas no processo de licitação, até que foi iniciado o licenciamento ambiental (tudo isso em tempo recorde, como houvesse pressa para a entrega da obra).

O Estudo de Impacto Ambiental é precário na análise dos impactos ambientais e medíocre quanto aos impactos urbanístico-sociais. Não considerou seriamente o respeito ao patrimônio cultural, subestimou os danos ambientais diretos e os impactos nas áreas de influencia e dissimulou a realidade sobre a impermeabilização do solo na região (valendo-se de valores e parâmetros incompatíveis).

Pior ainda: o Estudo de Impacto Ambiental previu textualmente a desnecessidade de desapropriações para atividades comerciais ou habitacionais, em postura repulsiva e desidiosa com as centenas de famílias cuja remoção foi anunciada amplamente, até pelo Governo do Estado, além de atividades comerciais e esportivas como clubes que serão “rasgados”para a passagem das novas faixas.

Sobre esse tema, cabe um reforço: embora o estudo de impacto ambiental tenha previsto que não haveria desapropriações, o valor para tais iniciativas ultrapassou R$ 40 milhões. Não haveria, pois, alguma falha?!

Apesar das falhas ora apontadas – e tantas outras constantes de parecer elaborado pela Associação dos Geógrafos do Brasil – o procedimento de licenciamento ambiental foi concluído favoravelmente à realização do empreendimento.

Para tanto, foram exigidas compensações ambientais de altíssimo custo – aos bolsos dos contribuintes, claro -, o plantio de centenas de milhares de árvores a construção de uma ciclovia – não urbana, mas em um parque próximo -, entre outras exigências e recomendações que, conforme se verá adiante, não bastarão para esconder a nocividade do empreendimento.

Incoerentemente, é a compensação ambiental, com a criação de um parque, que vai acarretar a maior parte de desapropriação de famílias, e a construção de ciclovias que vai acarretar a supressão de milhares de árvores.

Essas “compensações” – que, efetivamente, nada compensam – fizeram com que o valor do empreendimento dilatasse exponencialmente. Eram R$ 850 milhões, passaram a ser R$ 1,3 bilhões e, até ultimas informações, nós, cidadãos do Estado de São Paulo, devemos assistir a R$ 1, 86 bilhões se esvaindo para custar uma obra de eficiência duvidosa – no mínimo.

Tudo isso aconteceu sorrateiramente, como fosse a população destinatária passiva deste ou qualquer empreendimento. Aconteceu de maneira obscura, sem publicidade prévia, sem convocação expressiva e, portanto, sem legitimidade.

Foram todos surpreendidos – apenas os que circulam pela região – com tratores nos canteiros e árvores históricas, robustas e vivas resumidas a raízes sem vida.

Diante dessa absurdez, aqueles mesmos cidadãos que buscavam dialogar, realizaram atos públicos in loco, manifestando através de faixas, cartazes e vozes a barbaridade anunciada.

Em resposta, o Governo do Estado de São Paulo, avesso ao diálogo, passou a investir vultosamente em propagandas que tinham sempre uma mesma finalidade: convencer os desinformados sobre a eficiência, sustentabilidade e necessidade das obras.

Foram milhões de reais aplicados na elaboração de campanhas publicitárias, criação de página na internet e todos os meios disponíveis para maquiar um empreendimento impróprio.

Desde sempre buscou o Governo desqualificar aqueles que se opunham à obra. Por vezes associando-os a Partidos Políticos, por outras questionando sua capacidade técnica.

Não restava outra alternativa, pois, senão a propositura de uma Ação Judicial para tentar suspender o empreendimento, pelo menos até que as dúvidas sobre riscos e benefícios fossem sanadas. E foi o que aconteceu.

No final do mês de julho de 2009, os representantes das entidades ingressaram com a Ação Civil Pública e aguardavam a decisão sobre o pedido de liminar, para suspender as obras. Infelizmente, apenas semanas depois houve a decisão que denegou o pedido, sob o argumento de que a Justiça não pode intervir nos atos do Poder Executivo – ainda que abusivos.

O Ministério Público foi chamado a se manifestar – conforme determina a legislação – e, em petição sintética e concisa, opinou favoravelmente à concessão da liminar, essencialmente fundado no principio da precaução, já acenou para que houvesse certeza sobre os riscos do projeto e suas eventuais remediações.

Além disso, a juíza responsável, em aparente desconhecimento do conteúdo do processo, fundou-se na ausência de documento que indicasse a insuficiência do Estudo de Impacto Ambiental (não nos esqueçamos que havia um Parecer da Associação dos Geógrafos Brasileiros juntada no mesmo dia)!

Foi, certamente, uma decisão infeliz e – preferimos acreditar – ressentida de conhecimento aprofundado sobre o processo, que já contava com 9 volumes e milhares de folhas.

Dos diversos predicados que foram atribuídos aos representantes das entidades que lutavam voluntariamente por essa causa, ressaltam-se os de fanáticos, malucos, oportunistas, desocupados e conspiradores.

Mesmo a Promotora de Justiça Maria Amélia Nardy Pereira, que apenas cumpria função atribuída por lei, foi alvo de grosserias, que tiveram seu ponto mais baixo com a acusação de ser oportunista, contida em texto do “jornalista” Reinado Azevedo, cujo título levava o nome “Veja bem, Maria Amélia,” em referência à Promotora.

Desamparados pelo Judiciário e com poucas possibilidades de concorrer com a truculenta publicidade da obra, só cabia aos representantes das entidades aguardar para que a tragédia anunciada se concretizasse. E, creia-se – pensávamos ter de esperar mais tempo.

Nos primeiros dias do mês de setembro, uma chuva incomum para o período (mas não para o verão), causou estragos em toda a cidade e região metropolitana, inclusive com a morte de pessoas. O Rio Tietê transbordou, as vias – sem drenagem – encheram de água, e a cidade parou. A resposta explicativa das nossas autoridades veio: culpa da natureza!

Por fim, o último sinal de que o lunatismo tinha um receio fundado: ontem, dia 08 de dezembro de 2009, o Rio Tietê transbordou – pela segunda vez em 3 meses – e, mesmo onde não houve transbordamento, o acúmulo de água resultante da impermeabilização das pistas, redundou no alagamento das faixas e sua interdição!

Diante de todos os fatos, é de se notar que se opor a mais essa obra viária bilionária não é uma questão de fanatismo ambiental ou de oportunismo partidário. Não se limita a discutir se a melhor opção é essa obra ou outra, se vamos plantar mais ou menos árvores, se outra obra de canalização ou aprofundamento de calha deveria ser feita, mas sim o rumo que a cidade toma.

O que buscamos, sobretudo, é difundir o questionamento sobre nosso modelo de cidade já saturada, na qual as discussões mais importantes estão em torno do trânsito caótico – como se todas as outras dificuldades que nos assombram fossem secundárias (saúde, educação, varrição de ruas, corrupção, moradia etc.).

Cada vez que aceitamos calados investimentos públicos em sentido diferente do que precisa nossa cidade, a cada enchente, cada desmoronamento, cada via obstruída e, principalmente, todo o trânsito que engessa a cidade, tem efeitos muito sérios, inclusive do ponto de vista econômico.

Quanto custa uma mercadoria parada? Quanto custa um caminhão entravado? E as casas completamente destruídas pelas águas!? Quanto custa todo o estoque de um dia no CEAGESP? Quanto custa a vida de um filho? E a vida de quatro filhos soterrados no barraco situado em área de risco – e que cuja remoção foi negligenciada pelo Poder Público?

Nossa proposta é que esse debate sobre o rumo da nossa cidade esteja constantemente nos meios de comunicação, nas escolas, nas rodas de conversa. Para tanto, estamos à disposição, inclusive para debater com nossos governantes quais as prioridades para que nossa cidade seja cada vez mais saudável – e cada vez mais nossa.

clipping de notícias sobre a “Nova” Marginal
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