As calçadas do Leblon (e do resto da zona sul) são largas, muito largas. Construção do tempo em que os prédios não tinham grades e o mar não era habitado por algas mutantes criadas no esgoto.
Algumas calçadas abrigam ciclovias, outras são ocupadas por carros estacionados. Existe um terceiro tipo, predominante na arquitetura urbana: ferros fincados no chão, mini-barricadas de concreto, vasos de plantas e canteiros dispersos estrategicamente para impedir o acesso dos motorizados. Pedestre anda em zigue-zague e às vezes tem que se espremer ou caminhar pela rua.
As ciclovias permitem pequenos trajetos de bicicleta, o que é fantástico. Quem mora na “ilha sul” faz muita coisa à pé ou de bicicleta. Nos bairros ricos de São Paulo, o sujeito vai de carro até a esquina. Além do medo, comum nos dois lados da ponte aérea, o uso do carro pelos paulistanos é facilitado pela imensa área urbana abocanhada pelos mais de 9 mil estacionamentos particulares e pelas vagas grátis nas ruas largas de calçadas estreitas. Até padaria e banca de jornal têm estacionamento na terra da garoa.
Nas duas cidades, a política de estacionamento acaba sendo a mesma: acomodar os carros no espaço existente. Em São Paulo, a especulação imobiliária expandiu a cidade, mandou os pobres para longe, construiu fortalezas de 20 andares para os ricos e destruiu quarteirões de casas para dar lugar a estacionamentos.
No Rio, os prédios baixos construídos no início do século passado não deixaram espaço para o exagero que é a cultura do “1 carro por pessoa”. Demolir uma casa de 1910 é aceitável. Demolir um prédio da mesma idade é mais chocante, caro e trabalhoso; não pega bem, ainda mais em uma cidade que vende a beleza para sobreviver. Em São Paulo, Malufs, Adhemares e comparsas fizeram fortunas com planos urbanísiticos voltados para o automóvel. No Rio a política é a “tolerância mil, educação zero”.
Além das largas calçadas do Leblon e das faixas de pedestre, os carros também têm suas vagas “normais”. Só que em quase todas as ruas e horários do dia existe um parquímetro humano, ou melhor, um morador dos bairros pobres trabalhando como guardador de carro. Aqui eles são chamados de flanelinhas e são oficiais. Existe um programa municipal chamado Vaga Certa, mistura de assistencialismo, absorção de tensões sociais, educação e engenharia de trânsito.
O Vaga Certa funciona como uma espécie de pegádio urbano implícito, uma “parceria” entre o Estado e a Economia Informal S.A.: o motorista é obrigado a comprar um cartão para estacionar, como na Zona Azul paulistana ou nos parquímetros americanos. Em algumas ruas, o cartão é válido por um período determinado, mas pode ser reutilizado em outras vagas no mesmo dia. Ou seja, para tirar o carro de casa, o motorista da zona sul é obrigado a gastar dinheiro com estacionamento.
Calma paulistano, o caráter oficial do Vaga Certa não é a panáceia para a extorsão praticada pelos guardadores: em locais de alto movimento e pouca polícia (geralmente “acertados” entre as autoridades e a Economia Informal), o preço escapa da tabela oficial e continua valendo a lei do “pague pela proteção do seu patrimônio”.
O caráter educativo fica só no nome: “motorista, esta é a vaga certa”. Mas já que o estacionamento nas calçadas não exige cartão e raramente termina em multa, as vagas nos locais de pedestres são as mais cobiçadas. E tome barricada de concreto para impedir a fome dos automóveis por espaço.
PS: Como não estou de carro no Rio, não sabia que o programa Vaga Certa sofreu alguns pequenos ajustes nos últimos . O principal, no entanto, foi a mudança de nome: hoje chama-se Rio Rotativo.
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