Faixa você mesmo

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A linha branca da imagem acima foi pintada na semana passada. Antes dela, o asfalto recapeado permaneceu cerca de quatro meses sem sinalização que indicasse a travessia de pedestres.

O local, na Avenida Ibirapuera, fica em uma região que tem dois grandes parques, um campo de esportes (bastante usado pela terceira idade,) um clube, alguns hospitais (incluindo o do Servidor Público) e uma secretaria municipal (a dos Esportes).

Não foi possível descobrir se a linha foi rabiscada no chão pela prefeitura ou por algum cidadão cansado de esperar a ação oficial.

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A travessia não pintada é do tipo “recuada”, ou seja, não fica exatamente na esquina, mas sim distante alguns metros do cruzamento motorizado. O semáforo de veículos em uma das pistas, por sua vez, fica na esquina, e não no local que indicaria a faixa de pedestres.

Assim, durante mais de 100 dias, sem a zebra pintada no chão, o que existiu de sinalização nesta via serviu para confundir motoristas sobre o local correto de parada, colocando em risco a vida de cidadãos não motorizados,  situação agravada pela falsa sensação de segurança proporcionada por um semáforo de pedestres .

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Em momentos de pouco trânsito, o risco era ser atropelado por carros, caminhões, ônibus ou motos que só tinham como referência o semáforo distante e uma linha no solo pintada “oficialmente” na esquina para indicar o cruzamento das pistas.

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Com trânsito pesado, a situação melhorava: bastava se espremer entre os carros e tomar cuidado apenas para não morrer vítma de uma moto.

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“esboço de faixa” – anônimo / pneus paulistanos

A frase “Nenhuma via pavimentada poderá ser entregue após sua construção, ou reaberta ao trânsito após a realização de obras ou de manutenção, enquanto não estiver devidamente sinalizada, vertical e horizontalmente”, escrita no artigo 88 do Código de Trânsito Brasileiro, é apenas uma frase, não tem valor em São Paulo.

Por aqui, é possível imaginar que um administrador ou técnico que levasse a sério a exigência prevista em lei fosse taxado de louco. Imagine: bloquear o fluxo de veículos na avenida Ibirapuera só porque não existe uma faixa de pedestres?

Assim como a faixa, ciclovias, guias rebaixadas e calçadas desobstruídas já estão previstas em diversas leis que tratam da construção e manutenção de vias. São necessidades obvias para qualquer um que não se locomova apenas de automóvel. Na carrocracia vigente, tornaram-se ítens menores, quase desprezíveis.

As faixas de pedestre em ruas recapeadas de São Paulo tem sido entregues três, quatro, às vezes cinco meses depois do novo asfalto. Isso quando são entregues, já que não são raros os casos de faixas que simplesmente não foram pintadas de novo. Como também é cada vez mais comum ver apenas duas ou três faixas pintadas em cruzamentos onde antes haviam quatro.

Os casos de negligência são visíveis por toda a cidade. Basta sair de dentro do carro e caminhar algumas quadras para encontrar faixas que nunca foram pintadas entre as milhares que estão apagadas e sem nenhuma perspectiva de pintura.

“Carrocracia Express” / foto: edugreen

A desproporção entre o que não é feito para pedestres, ciclistas, cadeirantes e passageiros de transporte coletivo e o que é feito para os automóveis é brutal, não importa a variável que esteja em comparação.

Somas astronômicas gastas em pontes, túneis, novas pistas e na manutenção de uma estrutura monstruosa para evitar o colapso são infinitamente superiores e consideradas muito mais importantes do que a quantia investida em corredores de ônibus, estrutura cicloviária ou mesmo em simples e fundamentais faixas de pedestre.

Obras destinadas ao fluxo de automóveis tradicionalmente saem do papel muito mais rápido do que as equivalentes para outros modais, a não ser quando o calendário eleitoral deixa os canteiros vazios durante meses para valer-se da tática do bode na sala.

É assustador ver a consolidação gradual da visão de que faixas de pedestres se tornaram secundárias, talvez até insignificantes perto da missão de “fazer o trânsito andar”. Em outras palavras: para que perder tempo com bobagem, quando é mais rápido e lucrativo colocar mais pólvora no barril e continuar dizendo aos quatro ventos que a bomba está cada vez mais longe de explodir?

Quatro meses sem faixa de pedestre
O pedestre que se dane
Tudo pela metade

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