A bicicleta é um veículo previsto em lei e seu condutor tem o direito de circular pelas ruas com tranqüilidade e segurança.
O Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 58, prevê que a circulação de bicicletas, “quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes” deve acontecer “nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação (…) com preferência sobre os veículos automotores”.
Em última instância, de acordo com a lei, a cidade de São Paulo tem cerca de 18 mil quilômetros de faixas prefernciais para bicicletas.
No mundo real, a primeira tarefa do ciclista é encontrar um bordo da pista. Nas ruas paulistanas, “bordo de pista” geralmente significa uma fila interminável de carros estacionados ou uma porção de buracos perigosos.
Passar muito perto de carros estacionados é perigoso: motoristas só enxergam semáforos, placas, o carro da frente e o motoboy que pode lhes arrancar o espelho caso não usem a seta. Eles não estão acostumados com bicicletas no trânsito e costumam abrir as portas de seus carros sem olhar para trás.
Nas poucas vias que não têm carros estacionados, o bordo da pista também é ameaçador. Feitas e mantidas para os motorizados, as ruas de São Paulo são muito piores exatamente no espaço reservado aos ciclistas.
Buracos, lixo, pedras e grades de bueiro colocadas estrategicamente no mesmo sentido das rodas das bicicletas são obstáculos freqüentes.
O asfalto eleitoral usado nos recapeamentos quadrienais tende a apresentar buracos, rachaduras e ondulçaões geralmente nas emendas com o meio-fio, causados pelo fluxo de ônibus ou apenas pela baixa qualidade do material usado.
Usar concreto no lugar do asfalto em faixa de ônibus é luxo e não dá lucro à máquina público-privada de infra-estrutura viária. Apesar de mais caro que o asfalto, o concreto é resistente e durável, portanto tem baixo custo de manutenção e não é recomendável para manter os polpudos contratos das empreiteiras que sustentam campanhas eleitorais.
Além dos obstáculos “naturais”, o ciclista que pedala pelos 18 mil km de ruas ainda tem que enfrentar armadilhas pró-fluxo desenhadas especialmente pelos mais criativos carrocratas do mundo.
Na foto acima, uma dessas idéias geniais para manter a roda da fortuna em movimento: a substituição das antigas valetas em U por modelos mais “planos”. O objetivo é o de sempre: ampliar a capacidade de fluxo e o potencial de engarrafamento de uma determinada, fazendo com que a ligação entre os dois lados do congestionamento seja mais rápida.
Geralmente uma parte deste “novo fluxo” trazido pela criativa valeta fica parada em cima das faixas de pedestre.
Multa ou motivo de bronca? Nunca. O mantra é: “nunca feche o cruzamento”.
As ruas não vêm com manual de instrução. Descobrir hábitos e comportamentos para pedalar com segurança é um aprendizado para quem decide enfrentar os “rios hostis” que cortam boa parte das grandes cidades brasileiras.
Quem já embarcou no deslocamento sobre duas rodas e um selim sabe que o aprendizado é rápido e que o trânsito parece muito mais perigoso para quem está do lado de dentro das bolhas.
Entre as características que ajudam a segurança do ciclista estão o tempo de reação e a visão panorâmica do espaço. O ciclista enxerga melhor o movimento de quem está ao seu redor e tem mais tempo de reagir do que motociclistas ou motoristas.
Tornar-se visível nas ruas é tarefa fundamental, ainda mais em uma sociedade que valoriza carros altos e os lastimáveis vidros escuros como sinal de “superioridade” e “segurança” – talvez estas duas palavras pudessem ser traduzidas como “boçalidade” e “violência”.
foto: joão lacerda / transporte ativo
Ocupar o espaço das ruas é tarefa imperativa para a própria segurança do ciclista. E isso não é algo que precisa ser feito de forma violenta nem inconsequente, principalmente para quem acredita que o simples ato de pedalar transforma o espaço em que vive
Enquanto o motorista paulistano não aprender que a bicicleta faz parte da via e que é muito fácil manter distância segura ao ultrapassar o ciclista (como na foto acima), pedalar no trânsito ainda será uma tarefa que requer alguma atenção. O ciclista não deve pedalar espremido no canto da pista, já que qualqer pequena variação de rumo do carro ao seu lado pode terminar em incidente.
Manter uma distância razoável do canto da pista (ocupando 1/3 ou às vezes metade da faixa) é muito mais seguro do que pedalar “colado” na guia. Não apenas para se tornar mais visível aos motoristas, como também para poder desviar com segurança dos inúmeros obstáculos existentes nos bordos da pista.
arte: blu / foto: porpora60
Na São Paulo dos 15km/h de velocidade motorizada, ocupar a faixa inteira para garantir a própria vida muitas vezes já não soa como uma afronta ao engarrafado e impaciente motorista. Mas cabe ao ciclista julgar, a cada instante, quais são as condições e locais mais favoráveis para o seu deslocamento.
Evitar caminhos com excesso de motores é um bom segredo. Infelizmente, quase todas as ruas de São Paulo estão tomadas por automóveis, motos, caminhões e ônibus e muitas vezes não é fácil encontrar uma rota agradável e livre de ameaças em movimento.
Conquistar o espaço nas ruas a cada pedalada, evitar o conflito que só gera conflito e curtir a fila de carros com uma pessoa dentro parados no congestionamento é possível e muito mais agradável que parece.